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Pesquisa da UFSC revela cocaína e antibióticos na Lagoa da Conceição em Florianópolis

Foto: Leonardo Sousa/PMF Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), divulgada nesta quinta-feira (13), identificou a

Pesquisa da UFSC revela cocaína e antibióticos na Lagoa da Conceição em Florianópolis

Foto: Leonardo Sousa/PMF

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), divulgada nesta quinta-feira (13), identificou a presença de 35 contaminantes emergentes na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, com concentrações mais elevadas na área próxima à estação de tratamento da Lagoa de Evapo Infiltração (LEI), operada pela companhia de saneamento. Entre as substâncias detectadas estão cafeína, analgésicos, antibióticos e cocaína.

O estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, contou com a colaboração do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina (Fapesc).

Drogas ilícitas e impacto ambiental

Os pesquisadores identificaram metabólitos de drogas ilícitas, como a benzoilecgonina — principal metabólito da cocaína —, além da própria droga em amostras de água, sedimentos e organismos aquáticos. Segundo os dados, a cocaína foi encontrada em 63% das amostras analisadas, um índice que sugere uma presença significativa e recorrente da substância no ecossistema. “A detecção da benzoilecgonina foi particularmente relevante, já que é considerada um marcador para o uso e descarte de cocaína”, destaca o estudo.

Pesquisas anteriores realizadas pela mesma equipe já haviam identificado a presença desses compostos em águas costeiras brasileiras, incluindo em tubarões da costa, o que indica um nível de contaminação que vai além dos corpos d’água urbanos.

A investigação começou após um desastre ambiental de grandes proporções: o rompimento da lagoa de tratamento em fevereiro de 2021, que resultou na inundação de ruas e residências com esgoto sanitário. O estudo faz parte do Programa de Recuperação Ambiental proposto pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) para mitigar os impactos desse episódio.

Monitoramento da recuperação ambiental

A professora Silvani Verruck, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFSC, coordenadora da pesquisa, explica que o objetivo do estudo é avaliar os impactos ambientais e acompanhar a recuperação do ecossistema. “Existem regiões em que a biota natural se alterou fortemente por conta disso. Somando crescimento da população e atividades turísticas, é necessário seguir acompanhando”, afirma.

Os contaminantes emergentes analisados no estudo incluem substâncias presentes em cosméticos, medicamentos e produtos de higiene pessoal, que geralmente não recebem a mesma atenção que os agrotóxicos e metais pesados. “São produtos que usamos diariamente e que são enviados para os sistemas de tratamento”, acrescenta a pesquisadora.

Método inovador de análise

O estudo também considera um contexto internacional, especialmente na Europa, onde a preocupação com contaminantes emergentes cresce devido à escassez de água potável. “Lá, buscam-se formas de eliminação desses resíduos, um problema que também precisa de mais atenção por aqui”, observa Silvani.

A pesquisa utilizou uma metodologia capaz de identificar simultaneamente 165 substâncias químicas — abordagem inovadora em comparação a estudos que analisam apenas um tipo de contaminante por vez. O doutorando Luan Valdemiro Alves de Oliveira, um dos autores do estudo, explica que o método envolveu processos rigorosos de confirmação. “Nós realizamos triagens qualitativas e quantitativas com cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas, o que permitiu identificar e quantificar os contaminantes”, explica.

As amostras foram coletadas em pontos estratégicos da Lagoa da Conceição, considerando áreas próximas à estação de tratamento de esgoto, regiões urbanizadas e locais de maior biodiversidade. “Ainda que não existam dados anteriores ao desastre, é perceptível que as áreas urbanizadas apresentam volumes mais significativos de contaminantes, o que pode estar relacionado ao impacto da atividade turística”, avalia Luan.

Entre as substâncias mais detectadas estão a cafeína, seguida pelos antibióticos ciprofloxacina e clindamicina, além do anti-inflamatório diclofenaco.

Efeitos sobre a vida aquática

Os riscos ecotoxicológicos foram avaliados com base na presença desses compostos em organismos aquáticos, revelando potenciais impactos significativos na biodiversidade. O diclofenaco e a cafeína, por exemplo, apresentaram altos riscos tanto para exposições agudas quanto crônicas, afetando algas, crustáceos e peixes. Segundo o estudo, essa contaminação compromete a saúde e o equilíbrio do ecossistema aquático.

A ciprofloxacina foi detectada em amostras da biota local, mas nas concentrações encontradas, não representaria um risco direto à saúde humana. Ainda assim, os pesquisadores alertam para a necessidade de monitoramento contínuo. “É crucial acompanhar a acumulação desses compostos em alimentos consumidos pela população local para avaliar possíveis impactos na saúde humana”, destaca o estudo.

“A quantidade de resíduos que estamos encontrando está afetando diretamente a vida local. Ecologicamente, isso é muito preocupante para o meio ambiente, especialmente para peixes e outros animais”, ressalta Silvani. Segundo ela, esses contaminantes podem interferir na reprodução, causar toxicidade e desencadear problemas de saúde, sejam eles agudos ou crônicos.

“Precisamos olhar para essas moléculas de forma regulatória, estabelecendo limites claros para evitar que saiam das estações de tratamento em concentrações prejudiciais. O ideal é um acompanhamento regular para minimizar esses riscos”, pondera a pesquisadora.

Presença de cocaína na fauna marinha

Os pesquisadores também mapearam a presença de drogas ilícitas entre os contaminantes analisados, com destaque para a cocaína. O mesmo grupo já havia identificado a substância em animais marinhos de grande porte, como tubarões da Bacia de Santos. “Neste artigo, ainda não divulgamos a quantidade exata, pois realizamos novas análises. Um próximo estudo trará essa quantificação. Esse é um resíduo comum na América Latina, mas a quantidade encontrada foi bastante expressiva”, afirma Silvani. “As concentrações [na Lagoa da Conceição] estão entre as mais altas reportadas no mundo.”

Soluções para tratamento da água

Os pesquisadores da UFSC trabalham no desenvolvimento de novas tecnologias para eliminar contaminantes emergentes da água. Uma das soluções em fase de testes é o sistema de destilação solar REACQUA, que purifica a água sem necessidade de energia elétrica. O equipamento, instalado no Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSC, em Florianópolis, foi utilizado para tratar amostras coletadas na Lagoa da Conceição, apresentando resultados positivos na remoção dos contaminantes.

“Nós queremos estudar como remover esses contaminantes de uma forma mais acessível. Hoje, é possível fazer esse processo com membranas específicas, mas é uma tecnologia cara e que encarece o tratamento da água. Nosso objetivo é encontrar alternativas viáveis financeiramente, e é nisso que estamos trabalhando com os testes em escala piloto”, explica Silvani.

A pesquisa, financiada pela Fapesc, ainda está em fase de conclusão, mas seus resultados já sinalizam a necessidade urgente de um debate sobre saneamento e regulação ambiental no Brasil. A equipe espera que os achados impulsionem políticas públicas para garantir a qualidade da água e minimizar os riscos da contaminação por substâncias emergentes.

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