Aquecimento global: o mundo está acabando?
A transição energética deve ser liderada pelo Estado e colocando as pessoas e o meio ambiente como foco das
Déborah Danowski, filósofa, e Eduardo Viveiro de Castro, cientista social e antropólogo, escreveram em 2014 o livro “Há um mundo por vir? Ensaios sobre os medos e os fins”, onde discutem o intrigante tema do fim do mundo. No ano em que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29) será realizada no Brasil, as questões principais continuam sendo o financiamento climático e a transição energética.
O casal Danowski e Castro, em sua obra, observa o crescente consenso científico sobre o aquecimento global, que ganhou força na década de 1990. A obra oferece uma leitura criativa (ou até caótica) sobre a desigualdade e degradação resultantes do capitalismo globalizado, apontando duas formas de análise: o caráter uniforme do caos, visto como um evento global, e o aceleracionismo, que define o espírito do tempo atual.
Um ponto polêmico da dupla é a abordagem do Antropoceno, um fenômeno geológico intensificado após a Segunda Guerra Mundial, associado à industrialização. O filósofo Bruno Latour define o Antropoceno como uma época que aponta para o fim da epocalidade, ou seja, o fim das eras anteriores, com a espécie humana transformada em uma força geológica, com o local e o global se sobrepondo e se confundindo. Nesse novo período, a comunicação entre o geopolítico e o geofísico é estreita.
O casal, então, analisa o fim apocalíptico do mundo, uma ideia reforçada pela cultura de massa, pelas ciências naturais e até pela metafísica. O conceito de um “mundo sem nós” reflete a ideia de uma incompatibilidade inerente entre o homem e a natureza, um processo acelerado do tempo que Immanuel Kant descreveu como o que sobrou para morrer com a morte de Deus e da Alma.
Partindo da categoria bíblica, Danowski e Castro consideram o Éden como a perspectiva ideal do mundo para a humanidade: um mundo pré-objetivo, uma humanidade pré-subjetiva, onde a natureza pura valida a ideia do fim. O pecado original interrompeu esse ideal, com a ação humana sendo responsável pela degradação. Neste ponto, os autores oferecem uma pista relevante, e é nesse ponto que se pode debater a questão ambiental. A análise de Danowski e Castro sugere que a tarefa de imaginar o fim do capitalismo não pode ser relegada ao Estado ou à sua relação com o mercado e a burguesia, mas deve ser discutida a partir da visão proletária e camponesa, do ponto de vista do trabalho.
Essa perspectiva nos obriga a refletir sobre várias questões atuais do debate científico, como o papel da China nesse processo de transição. A China, com seu modelo de desenvolvimento, está impulsionando um processo de superação do atual modo de produção. Também é importante considerar a crítica de Luiz Carlos Baldicero Molion, que questiona a relação direta entre as atividades humanas e o aquecimento global, apontando as limitações de modelos matemáticos para projetar esse crescimento contínuo. Além disso, a posição de Michael Löwy, que se opõe à ideia de um capitalismo verde, é crucial, pois ele argumenta que este modelo é uma contradição em termos, além de criticar os modelos socialistas não ecológicos, como o da União Soviética pós-revolução.
A transição energética, nesse contexto, assume papel fundamental, independentemente das diferentes visões e projeções científicas. Em minha análise, essa transição só será viável por meio de uma ruptura com o modelo de mercado atual, com forte atuação estatal, envolvendo a sociedade civil e implementando políticas públicas eficazes. O Estado precisa assumir a liderança nesse processo, afastando o mercado energético como o modelo dominante e colocando as pessoas e o bem-estar social no centro das discussões.
Hoje, o movimento de empresarização e financeirização define o modo, a forma e a velocidade dessa transição necessária, mas, ao fazê-lo, distancia-se das necessidades socioambientais. A atuação do Estado, portanto, se faz ainda mais urgente, pois deve mediar essa relação, não apenas promovendo o desenvolvimento, mas também protegendo e preservando o meio ambiente, com políticas públicas que colocam as pessoas como o núcleo central de todas as decisões.
Se o apocalipse é inevitável, como sugerido pela perspectiva bíblica, com sua dialética entre céu e inferno, a relação harmônica entre o homem e a natureza – como no princípio – e uma degradação ambiental resultante da quebra relacional homem-Deus, então o fim do mundo se dá em meio a lutas de classe. Concluo que a formação de um novo céu e uma nova terra não ocorrerá pela eliminação da espécie humana, mas pela construção, por meio de uma transição energética justa e planejada. A Nova Jerusalém, o novo Éden, será criada pela humanidade.
Nosso papel é, por meio do planejamento, posicionar a transição energética como prioridade, com base na razão científica e nos instrumentos de Estado, como políticas públicas, concessões, regulação e fiscalização, sendo esses instrumentos contrapostos ao modelo atual do mercado energético. Precisamos também de uma consciência sobre nosso modo de vida, nas grandes e pequenas coisas, que seja centrada na rejeição das necessidades impostas pelo consumo, para garantir que o futuro seja sustentável para todos.