Ainda em cartaz: documentário sobre Pepe Mujica expõe desafios ambientais e na governança estatal
"Os Sonhos de Pepe" relembra a presidência de José Mujica no Uruguai (2010-2015), abordando suas políticas progressistas, críticas ao
Saindo de cartaz no Paradigma Cine Arte de Florianópolis, Os Sonhos de Pepe explora as agendas internacionais conduzidas por José Alberto “Pepe” Mujica Cordano (89) durante sua presidência no Uruguai (2010-2015). O documentário, dirigido pelo uruguaio Pablo Trobo, apresenta as preocupações e advertências de Mujica sobre os desafios do futuro. Ontem (9), Pepe anunciou que está enfrentando um câncer terminal, que, devido a outras patologias e sua idade avançada, não pode ser tratado com quimioterapia ou cirurgia.
Uma figura de referência e ídolo da esquerda mundial, especialmente na América Latina, Mujica é amplamente respeitado como crítico do sistema que promove o consumo desenfreado e a substituição compulsória de produtos. Ele redefine o conceito de riqueza a partir de escolhas sobre o que realmente são as necessidades humanas, defendendo uma vida simples, com poucos recursos materiais. “Pobre é quem precisa de muito!”, declara.
O documentário retrata sua passagem por países como Estados Unidos, Japão e Colômbia, evidenciando sua abordagem política baseada no diálogo e na negociação, evitando conflitos e promovendo a paz. Entre as controvérsias abordadas na obra estão a legalização controlada e terapêutica da maconha, adotada em sua gestão no Uruguai, e sua mediação nas negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), grupo que viria a formar o partido político Comunes.
Sobre o papel do Estado, Mujica reconhece as limitações da gestão pública, destacando a força da sociedade civil e, sobretudo, do mercado na configuração das dinâmicas sociais e econômicas. Em tom elogioso ao ex-presidente estadunidense Barack Obama (2009-2017), ele afirmou que “O Estado faz o que pode, e os Estados Unidos podem menos”, sugerindo que as ideias de Obama seriam superiores à realidade praticada no país.
O pano de fundo do documentário é a crise ambiental, evidenciando os limites dos protocolos internacionais na contenção das emissões de carbono. Mujica visitou universidades, foi aclamado por estudantes e dialogou até mesmo com opositores. Ele aprendeu a cultivar flores com uma comunidade japonesa na área rural de Montevidéu. Simbolizando sua simplicidade, ele se desloca em um Fusca, rejeitando as honrarias e os privilégios típicos de um chefe de Estado.
Figura fascinante da história contemporânea, Mujica foi membro do Movimento de Libertação Nacional (Tupamaros), que, na década de 1960, assaltava bancos para redistribuir o dinheiro aos pobres e combatia a ditadura militar que governou o Uruguai entre 1973 e 1985. Por sua militância, ficou preso por quase 15 anos, sendo sete deles em confinamento solitário.
Com a redemocratização, ingressou na política partidária, ocupando cargos como deputado, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, senador e, finalmente, presidente da República, eleito por uma coalizão de partidos de esquerda. Durante sua gestão, destacaram-se a implantação de políticas progressistas, como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a descriminalização do aborto e a regulamentação estatal da produção e comercialização da maconha.
Mesmo na presidência, nunca deixou de frequentar seus locais habituais, dirigir seu Fusca antigo e morar em sua modesta chácara nos arredores de Montevidéu. Sempre desprezou ostentações do poder, recusando palácios, automóveis de luxo e até mesmo o uso de gravata. Ele doava a maior parte de seu salário a programas de habitação popular.
O legado de Pepe, que se assume como um ex-guerrilheiro marxista que sobreviveu à perseguição, vai além de suas propostas para a organização social e política mundial. Ele deixa uma mensagem poderosa sobre como estar e ser no mundo, enfatizando a simplicidade, a humildade e o compromisso com valores que transcendem o valor dado aos objetos materiais.